"Ser quilombola para mim é ser negra, é a minha origem, é ser um povo que sofreu muito, muito mesmo, que veio para cá sem querer vir, que não sabia nem onde estava vindo, mas enfiaram num navio e trouxeram para cá. É um povo sofrido, mas um povo de luta. Isso é ser quilombola".
É assim que Laura de Jesus Braga define suas origens no Quilombo da Fazenda, comunidade que remonta à própria história da região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo.
No século XIX, a compra de grandes lotes de terras na região por colonos estrangeiros resultou na vinda de um grande contingente de negros escravizados vindos da África.
Mas com o declínio da produção do café, veio o abandono e a venda de muitas fazendas na região. As propriedades passaram então a ser ocupadas ou até mesmo doadas a ex-escravos.
"Aqui era uma fazenda. Aqui era cheio de escravos. Mas quando a fazenda piorou que acabou o povo foi embora. Deixaram o meu tio tomando conta dessa fazenda. Aí nós viemos formar o quilombo aqui da fazenda", conta o produtor rural Cirílio Braga.
"Para mim o quilombola veio desde o tempo da independência do Brasil. Do tempo dos escravos. Aí que foi nascer a geração dos quilombolas", pontua o agricultor.
No início de tudo eram 12 famílias. E a subsistência do quilombo vinha do cultivo agrícola em pequenas lavouras e também da pesca artesanal.
"Era uma comunidade isolada, a gente não tinha nenhum meio de transporte, nenhum meio de comunicação, mas a gente vivia da roça e da pesca. Então a gente na cidade, fazia a troca. E a gente trocava apenas o sal e o querosene. Porque a gente não tinha energia. Então era só isso", relembra Dona Laura.
"Os demais nós tirávamos da roça, o nosso peixe era fresquinho, e a gente só pescava para consumo. A gente comia peixe todos os dias. Porque a gente tinha esse cuidado de pegar apenas o que ia se alimentar", completa.
As famílias trabalhavam com a prática tradicional da coivara, uma técnica que faz parte do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola e prevê a queima das áreas de plantação entre uma safra e outra. A intenção era de preparar e adubar o solo. Mandioca, milho, feijão e abacaxi estavam no centro da produção.
As roças de coivara estão hoje em processo de reconhecimento como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
LEIA+Data: 30/07/2023